Corredor dos Dormitórios

Depois de voltar do meu trabalho e de já ter entrado no orfanato, sem que ninguém me visse, parei no corredor e olhei para as horas vendo os números todos trocados. Deviam ser umas seis da manhã e eu estava podre de bêbado. A culpa não era minha, não tinha sido eu que tinha gasto montes de dinheiro com tanta bebida. Tinha sido obrigado a fazer companhia a uma mulher mais velha, ela não dizia nada de jeito, mas felizmente não foi mais nada do que fazer companhia. Também nunca tinha feito mais do que isso, mas já tinha ouvido rumores de que alguns dos rapazes tinham sido obrigados, diziam-lhes que perdiam o emprego se não o fizessem, ou que o mês não lhes ia ser pago. Eu nunca o faria, ainda não estava desesperado para tanto. Tão tinha comido nada por isso a minha barriga andava às voltas. Encostei a cabeça à parede do corredor na ida dos dormitórios, tentando pensar coerentemente, para ver se decidia se ia comer ou dormir.

Assim que cheguei ao orfanato a primeira e última coisa que fiz foi enfiar-me na cama. Tinha sido um dia demasiado comprido, primeiro a cena daquele rapaz irritante no parque e agora, o facto de não saber quem é que me tinha ajudado por ser uma pessoa igualmente irritante. Abanei a cabeça juntamente com um suspiro, remexendo-me na cama e virei-me para o lado oposto do em que estava. Ajeitei a cabeça na almofada, voltando a fechar os olhos numa tentativa de adormecer, mas foi algo impossível porque por mais que tentasse, o cansaço parecia ter desaparecido. Revirei os olhos, acabando por me levantar e procurei pelo meu robe depois de ter calçado as pantufas. Vesti-o, apertando-o em volta do meu corpo e saí do quarto. Ia buscar um copo de leite, talvez isso me ajudasse, de alguma forma. Fechei a porta atrás de mim, devagar para não fazer muito barulho, e comecei a andar pelo corredor, o que era algo difícil porque estava tudo escuro. Estiquei um braço, para conseguir tactear a parede e, de repente, o meu corpo embateu em algo, o que me fez desequilibrar e quase cair.
- Mas que..- abri muito os olhos, para tentar decifrar o que estava diante de mim e foi então que consegui perceber que era uma pessoa, ou melhor, era nada mais nada menos do que o rapaz do parque, conseguia reconhecê-lo pelas suas feições.- tu estás parvo? - perguntei, apesar de irritada, fi-lo num tom baixo.- o que é que estás aqui a fazer? Eu ia caindo por tua causa.

Fiz uma careta quando senti alguma coisa embater e com a bebedeira que estava, se não fosse tão contido teria começado a gritar, porque isto tinha sido mesmo assustador. Tentei equilibrar-me, voltando a encostar-me à parede e percebi que quem tinha vindo contra mim era a outra. Só me faltava mais esta, só esperava que ela não conseguisse ver a minha roupa. Baixei logo o capuz e olhei-a tentando parecer sóbrio. - Qual é o teu problema de eu estar aqui? Não caías se tivesses acendido a luz, que eu saiba é para isso que existem interruptores - falei também baixo, ou pelo menos parecia.

Olhei-o enquanto se levantava, tendo alguma dificuldade em fazê-lo, tendo em conta que estava escuro, mas nem era preciso olhar para a cara dele para me irritar. Eu não sabia o que é que ele tinha, mas bastava-me ouvi-lo respirar para me sentir logo irritada.
- Eu não sei se sabes.- comecei a falar, depois de ele ter dado a entender que eu não sabia usar interruptores.- mas há uma hora de recolher obrigatório e, por isso mesmo, eu não acendi a luz para não ser descoberta e para não me chatearem.- sorri cínica.- consegues perceber ou é demais para ti?

Passei as mãos pelo cabelo, despenteando-me todo e acendi a luz - que grande problema que é isto de carregar num botão. Agora vem aí a diretora expulsar-nos ou dar-nos um castigo, é melhor teres medo - gozei-a e decidi ir devagarinho até ao quarto, antes que caísse. Eu acho que ia era vomitar, aí sim, a diretora dava-me um castigo porque percebia que tinha saído.

Segui o caminho das suas mãos, assim que elas foram parar ao seu cabelo, que por acaso era a coisinha melhor que ele tinha no meio de tanta coisa má, mas não me demorei muito a olhá-lo, porque rapidamente voltei a olhar para a sua cara quando começou a falar naquele tom de voz que me irritava. Cerrei o maxilar, fechando também as mãos em punho e em vez de gritar, dirigi-lhe um sorrisinho cínico.
- Ela pode não nos dar um castigo por causa de estarmos aqui.- murmurei.- mas de certeza que vai adorar encontrar-te neste estado.- pisquei-lhe o olho e mesmo depois de ter virado costas, eu continuei.- sim, porque com esse cheiro não enganas ninguém.- cruzei os braços ao peito.- não que o teu cheiro de sóbrio seja melhor, mas aconselho-te a tratares disso.- sorri, apesar de ele não ver e, só para lhe complicar a vida, voltei a desligar a luz.

Encostei a cabeça à porta quando ela apagou a luz e agarrei-me à maçaneta da mesma. - Cala-te - murmurei, não conseguindo falar muito alto, o meu estômago estava às voltas e não me parecia que as minhas pernas conseguissem dar mais um passo sem que eu conseguisse cair.

Mesmo no escuro, consegui perceber que ele tinha parado de andar, o que me fez levantar ambas as sobrancelhas e voltar a acender a luz, vendo-o completamente encostado à porta, num estado não muito bonito. Juntei-as ligeiramente, ficando a ponderar durante uns segundos se me haveria de aproximar ou não, mas acabei por fazê-lo.
- Estás bonito tu.- abanei a cabeça, revirando também os olhos.- queres ajuda?

Sentia-a aproximar mas não disse nada, apenas quando ela falou consegui reagir - cala-te - murmurei com a voz rouca e olhei-a meio de lado para ver se estava a falar a sério, mas estava tão a leste que apenas engoli em seco e assenti com a cabeça - se faz favor. - pedi no mesmo tom de antes e encostei-me a ela, não porque quis, mass porque o meu corpo pendeu para o seu e nao consegui endireitar-me.

Assim que o ouvi mandar-me calar, a minha vontade foi virar-lhe as costas e deixá-lo ali sozinho até lhe acontecer sabe-se lá o quê, mas eu não era tão insensível assim, apesar de parecer, ainda conseguia ter sentimentos. Por isso mesmo, decidi ignorar e ia ajudá-lo a levantar-se quando ele o fez sozinho e, de um momento para o outro, já estava praticamente em cima de mim. Arregalei os olhos, tentando não cair, e agarrei-o da melhor forma que consegui, colocando um braço dele sobre os meus ombros.
- Tenta aguentar-te até chegarmos ao quarto.- murmurei.- não me vomites para cima.- pedi, com uma careta enojada e depois olhei em volta.- consegues ao menos dizer-me onde é o teu quarto?

Levantei a cabeça para ver onde estava e quando vi o número toquei na porta, estava mesmo ao meu lado, tinha sido a porta a que me tinha encostado. - Desculpa - esforcei-me a pedir sem lhe vomitar para cima porque ela não tinha que estar a fazer aquilo e não tinha culpa da forma como eu estava.

Abri a porta do quarto que estava mesmo ao nosso lado, percebendo que era o seu assim que tocou na porta e comecei a encaminhar-nos lá para dentro, com algum esforço, visto que ele pesava quase o dobro de mim.
- Não peças desculpa, colabora.- murmurei, apalpando a parede para conseguir ligar a luz e quando consegui, continuei a encaminhá-lo até à cama, ajudando-o a deitar-se.

Quando me deitei na cama foi como se tivesse chegado aos pés, o meu corpo todo doía. - Velhas estúpidas, drogaram-me - falei para mim, já que já estava sozinho. Passei as mãos pelo cabelo e encostei a cabeça à almofada. Eu não podia estar só bêbado, não tinha bebido assim tanto para nem me aguentar em pé. Suspirei agarrando-me à almofada e tentei manter-me acordado até melhorar.

Depois de o ter conseguido deitar, comecei a tratar de lhe tirar os sapatos visto que, mesmo não gostando dele, já que estava a ajudá-lo, ia ajudá-lo até ao fim. Descalcei-lhe o primeiro, atirando-o logo para um canto do quarto e quando ia fazer o mesmo ao segundo, tive de parar, face ao que o ouvi dizer. Levantei ambas as sobrancelhas, erguendo lentamente o olhar para ele e acabei por me aproximar.
- Quem é que te fez o quê? - perguntei.- tu não estás assim por causa do álcool?

Dei um pequeno salto com o susto que apanhei quando a outra falou, não estava a espera porque pensava que estava sozinho. Procurei-a com o olhar e vi-a perto da cama. - Não, eu bebi demasiado, não foi mais nada - menti com a voz arrastada e voltei a deixar cair a cabeça na almofada, agarrando-me às minhas almofadas com um careta enjoada.